Autógrafos - Guedes de Amorim
Guedes de Amorim (1901-1979), Casa de Judas (1953)
Capa de Manuel Ribeiro de Pavia (1907-1957)
Guedes de Amorim (1901-1979)
Jornalista e autor duriense, cujo romance Aldeia das Águias (1939) foi galardoado com o prémio Ricardo Malheiros, Guedes de Amorim retrata essencialmente a realidade rural do sul do distrito de Vila Real, embora o conto Comboio de Vila Real, incluído em A Máscara e o Destino (1951) relate também o trajecto que, através da extinta linha do Corgo, se fazia da Régua e de Vila Real para as estâncias termais dos concelhos de Vila Pouca de Aguiar e de Chaves. O percurso ficcional do escritor, inicialmente agnóstico, liberal, e ligado ao Neo-Realismo, acabou por atingir uma atitude de profunda convicção religiosa, que motivou a produção de obras centradas na temática cristã. Assim surgiu a obra Jesus Passou por Aqui (1963), distinguida com o prémio Cervantes do Pen Club do Brasil. Guedes de Amorim havia recebido o hábito franciscano em 1960.
De A Casa de Judas, extenso romance de Guedes de Amorim cujo tempo ficcional se desenvolve ao longo de quase duas décadas, perpassando entre as memórias do regicídio, a agitação da Monarquia do Norte e o fim da I República, transcrevem-se dois pequenos fragmentos:
"Voltou a suspirar. Em sua opinião, o Porto era a cidade mais bonita do mundo. Não podia esquecer o mercado do Anjo, onde ia todas as manhãs comprar o que necessitava, e as noites de S. João, nas Fontainhas. Fora, num desses arraiais, que conhecera o Samuel. Pôs-se então a elogiar o falecido. Sabia do ofício de ferreiro, como poucos. Havia trabalhado na construção das pontes de D. Maria e de D. Luís, e os engenheiros, tanto os estrangeiros como os portugueses, apreciavam-no muito.
– Mas, Lisboa é mais bonita, não é?
– Qual o quê! Aquilo é cidade de gente ruim. Não ouviu falar no que eles fizeram, há pouco, ao rei e ao príncipe? Gente sem coração, digo-lho eu.
– Tem razão, sr.ª Joana – apoiou a Soledade.
Recordava a manhã em que o patrão ali tinha aparecido, transtornado, com a triste novidade: – Mataram D. Carlos e o príncipe herdeiro! – Colérico, falara em pedreiros-livres, bandidos das alfurjas, e no sangue que o horroroso crime não tardaria a fazer correr. Durante dias, andara à volta do mesmo assunto, pedindo a forca para os republicanos. Parecia ter endoidecido. Ainda se apresentava de luto pelos augustos assassinados."
(...)
"– Agora Bragança há-de atender-nos melhor – esclareceu Santos Mendes, que vinha dos Correios. – Em Lisboa, o ministro da Guerra nomeou, finalmente, o coronel Ribeiro de Carvalho para comandante da divisão.
– Quando o soube?
– Há pouco. Recebeu-se um telegrama...
Alberto Donato torceu o nariz: "Não seria outra habilidade do Tamagnini?"
– E sabem quem telegrafou, também? O Granjo!
– De Lisboa? – interrogou o advogado.
– Não, senhor. De Chaves. Está ao lado de Nicolau Mesquita e de Ribeiro de Carvalho, como não podia deixar de suceder. Prometeu vir auxiliar-nos, se nos atacarem de novo.
A mocidade de Eugénio Vilares explodiu:
– Viva a República!"
© Blog da Rua Nove
De A Casa de Judas, extenso romance de Guedes de Amorim cujo tempo ficcional se desenvolve ao longo de quase duas décadas, perpassando entre as memórias do regicídio, a agitação da Monarquia do Norte e o fim da I República, transcrevem-se dois pequenos fragmentos:
"Voltou a suspirar. Em sua opinião, o Porto era a cidade mais bonita do mundo. Não podia esquecer o mercado do Anjo, onde ia todas as manhãs comprar o que necessitava, e as noites de S. João, nas Fontainhas. Fora, num desses arraiais, que conhecera o Samuel. Pôs-se então a elogiar o falecido. Sabia do ofício de ferreiro, como poucos. Havia trabalhado na construção das pontes de D. Maria e de D. Luís, e os engenheiros, tanto os estrangeiros como os portugueses, apreciavam-no muito.
– Mas, Lisboa é mais bonita, não é?
– Qual o quê! Aquilo é cidade de gente ruim. Não ouviu falar no que eles fizeram, há pouco, ao rei e ao príncipe? Gente sem coração, digo-lho eu.
– Tem razão, sr.ª Joana – apoiou a Soledade.
Recordava a manhã em que o patrão ali tinha aparecido, transtornado, com a triste novidade: – Mataram D. Carlos e o príncipe herdeiro! – Colérico, falara em pedreiros-livres, bandidos das alfurjas, e no sangue que o horroroso crime não tardaria a fazer correr. Durante dias, andara à volta do mesmo assunto, pedindo a forca para os republicanos. Parecia ter endoidecido. Ainda se apresentava de luto pelos augustos assassinados."
(...)
"– Agora Bragança há-de atender-nos melhor – esclareceu Santos Mendes, que vinha dos Correios. – Em Lisboa, o ministro da Guerra nomeou, finalmente, o coronel Ribeiro de Carvalho para comandante da divisão.
– Quando o soube?
– Há pouco. Recebeu-se um telegrama...
Alberto Donato torceu o nariz: "Não seria outra habilidade do Tamagnini?"
– E sabem quem telegrafou, também? O Granjo!
– De Lisboa? – interrogou o advogado.
– Não, senhor. De Chaves. Está ao lado de Nicolau Mesquita e de Ribeiro de Carvalho, como não podia deixar de suceder. Prometeu vir auxiliar-nos, se nos atacarem de novo.
A mocidade de Eugénio Vilares explodiu:
– Viva a República!"
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